Há que haver muito cuidado com os perigos que o mundo oferece aos espíritos que reencarnam; há que considerar aquelas palavras do Cristo, quando no fim da vida disse aos Apóstolos: – “Eu vos agradeço, porque estivestes comigo nas minhas tentações”.
A vida carnal é ambiente em geral que oferece perigos múltiplos, traições de variada ordem, facilidades de falha, de fracasso. Faz-se, portanto, necessário prudência, muita prudência.
Costuma-se dizer que nenhum diabo de fora pode, quando o Cristo de dentro está realmente vigilante; mas, digamos, estará sempre em dia o Cristo de dentro, em matéria de vigilância? Não será que, tantíssimas vezes, por causa de mil e uma fraquezas, perdemos de vista o Cristo de dentro e deixamos reinar o diabo de fora, o erro que conduz ao fracasso?
E sob que disfarces poderá vir o erro, o diabo de fora, para confundir até aos mais bem intencionados e levados de vencida? Sob que pretextos se apresentará, a fim de parecer a medida cabível, a ação do momento, a atitude consentânea com a situação?
Se formos aquilatar pelo crivo da Lei, por quantos motivos encontraremos no mundo razão para trair aos mais santos deveres?
Quantos são os modos de idolatrar, de contrariar a Lei, quando ela ordena que se adore a Deus em Espírito e Verdade, sem a ingerência de elementos intermediários, do que há nos ares, na terra e nas águas? Por quantas maneiras podemos trair o Segundo Mandamento?
E o Terceiro Mandamento, que ordena jamais tomar o nome de Deus em vão, através de quantas formas e maquinações pode ser contraditado? Quantas e quantas vezes permitimos que a mentira e o suborno tomem o lugar da Verdade? Até onde o vício é apresentado por nós, em nossas obras, como sendo a Virtude?
Quanto aos demais, sobre não fazer mal a ninguém, desde o respeito ao descanso, passando por honrar pai e mãe, não matar, não adulterar, não furtar, não jurar falso, não invejar nem cobiçar de modo algum, sob quantos pretextos tudo isso é feito, é repetido, e por certas leis humanas erradas é até mesmo programa estabelecido, oficializado e garantido pelo mundo?
Apesar do mundo, porém, atiçar e garantir muitos erros, muitas formas de contradição à Lei, certo é que por tudo se responderá, até o último ceitil. Cumpre que se oponha todo o zelo possível em face dos momentos de fraqueza; cumpre que se esteja normalmente em ato de prudência perante os perigos que nos cercam, quando estivermos transitando pela encarnação.
Porque aquelas desculpas, que podem ser apresentadas posteriormente, nunca poderão conter merecimentos, jamais conseguirão encerrar o condão que lhes autorize a convencer a Lei em contrário. Porque com a Lei ninguém discute, ninguém tem elementos para enfrentá-la, visto ser divinamente íntima e estar acima das cogitações humanas. Atos representam registrações íntimas e registrações íntimas representam compromisso para com o Equilíbrio Universal. Se boas registrações, a vantagem não é discutível; se más registrações, as dívidas terão que ser ressarcidas inelutavelmente!
Houve um homem que se apresentou, um dia, para ser psicometrado; vinha todo encurvado, dolorido, sofrido em extremo. Tinha tudo e não parecia ter nada; não parecia ter males graves, entretanto apresentava sintomas de morte.
Para nós, do plano espiritual, estava cercado de escuridão, detinha-se no plano das tristes mentalizações. Ele devia saber dos porquês, ele poderia muito bem advogar em sua causa própria, apresentar as razões de assim pensar, sentir e agir. Os nossos defeitos costumam, para nós mesmos, conter sempre muito ou pouco de razão de ser. Por mais errados que estejamos, temos sempre mais do que uma pontinha de boas razões para sermos assim. Costumamos ter, para conosco, aquela porção de tolerância que, quando para os outros, se converte em julgamento radical.
Diante de Zainer, o homem disse:
– Cheguei a ser bom médium; fizeram os espíritos, por meu intermédio, até grandes coisas. Todavia, fui obrigado a deixar os trabalhos mediúnicos em abandono, porque coisas muito desagradáveis andaram se infiltrando na minha vida material. Ultimamente, de uns quatro anos a esta parte, venho sofrendo dores horríveis, ando cheio de reumatismos. Os médicos já deram tudo, já me encheram de injeções e remédios, porém nada puderam fazer.
Zainer falou-lhe:
– Espere um momento, que estou vendo o seu interior e o seu exterior... O senhor é azulino por dentro, depois vai se tornando cinzento, cinzento escuro, passando a ser preto, um preto opaco bastante feio... Por fora o senhor é todo preto, por causa dos acontecimentos que o envolvem, pelos quais se deixa dominar...
Surgiu naquele momento um mensageiro, alguém ligado ao plano espiritual de onde ele proviera, alguém que sabia dele muitas coisas, ou que trazia informe importante. Este mensageiro, chegando, falou através de Zainer:
– Venho da parte de quem muito lhe quer, pelos seus feitos passados. Trago-lhe o aviso amigo, aviso que consiste em alertá-lo contra a situação a que se submeteu. Nada mais tem feito, de alguns anos a esta parte, senão dar atenção ao mundo, aos seus percalços, esquecendo o trabalho que lhe cumpria e cumpre levar a termo. Deixe de se curvar aos motivos que julga serem os culpados, aos quais acusa, fazendo questão de vencê-los, de superá-los, de liquidá-los.
O tal homem replicou:
– Brigas em família, por culpa de pessoa incompreensível, fazem-me pensar em tudo, menos em coisas boas... E por não me julgar em condições, tenho-me afastado dos deveres mediúnicos...
O mensageiro informou:
– Pode dar a interpretação que bem entender ao fato; pode alegar a razão que bem entenda de alegar, para justificar a sua conduta errada; entretanto, foi apenas um percalço que devia vir, para experimentá-lo, em virtude das faltas passadas e do programa pré-estabelecido. Isso está contido no roteiro de sua vida, apenas não está escrito que iria curvar-se a tais injunções erradas. Procure reagir, porque o fracasso poderá tornar-se de graves conseqüências, quer no presente, quer com vistas ao futuro. Isto é, no presente irá parar nos fundos de uma cama, de onde sairá para o cemitério o corpo e para este lado o espírito, porém em situação gravosa... E com vistas ao porvir, terá pelo menos de passar pela mesma prova, porém agravada e defrontando os riscos do fracasso presente, que se marcarão rijamente, porque transformados em caso cármico, em lastro histórico.
– Vou procurar o trabalho, de novo... – murmurou o tal homem.
O mensageiro disse-lhe:
– Deixe de pensar nos reumatismos... As divergências de família trazem raivas, atraem elementos e energias que valem por tremendos venenos... De fora para dentro vêm os males, que se vão infiltrando, que se vão radicando, porque de dentro para fora os movimentos da mente são-lhes propícios. Tudo quanto tem, que acredita serem reumatismos, mais não são do que energias e fluidos perniciosos, em virtude dos pensamentos recalcados, angustiosos e raivosos. É puro fenômeno patológico, é alteração física por influência de agentes e de forças inimigas provindas do exterior.
Zainer voltou a si e anunciou:
– O seu espírito Guia quer falar.
Deu-se a comunicação do Guia, que lastimou a conduta do médium, dizendo:
– Ele devia entrar para um período de prova e eu fui intimado, pelos meus superiores, a me afastar. Não temos culpa de ter ele se entregado assim ao seu modo de pensar, de justificar o seu procedimento. Pelo contrário, quanto mais os mal-entendidos fossem aumentando, tanto mais devia ele se agarrar mais e mais ao trabalho espiritual. É com a Verdade que se triunfa sobre a Mentira, é com o Bem que se vence contra o Mal, é com a Sabedoria que se aniquila a Ignorância! Espero, agora, com o aviso presente, que volte às boas para com os seus deveres de servidor da Vontade de Deus.
Acabrunhado, o tal homem balbuciou:
– Concordo em que tenha errado...
E o Guia lembrou:
– Fosse você o único!... A Humanidade vive em fracassos contínuos, acumula faltas a mais não poder. Podemos dizer que muitos são os que se provam e poucos são os que triunfam, por falta de melhor conhecimento de causa, e, noutros casos, por falta de um pouco mais de perseverança no trabalho espiritual.
O Guia despediu-se e a sessão teve o seu fim. O tal homem, que serve de exemplo para muitas outras criaturas, dali saiu satisfeito e disposto a recomeçar a faina que lhe cumpria. Compreendera, enfim, que houvera sido muito imprudente.
NOS DOMÍNIOS MARAVILHOSOS DA PSICOMETRIA